segunda-feira, 16 de abril de 2012

O passado se refaz




O passado se refaz


Sexta-feira, 06 de abril de 2012.

Não uma sexta-feira qualquer. Sexta-feira Santa. A igreja católica celebra e contempla a paixão e morte de Cristo, com Liturgia da Palavra, pretendendo mais uma vez introduzir os fiéis no mistério do sofrimento e da morte de Jesus, salvador de toda a humanidade. Aconselha-os a fazerem algum tipo de penitência, como jejum e a abstinência de carne e qualquer ato que se refira ao prazer.

Infringir a si próprio com o castigo de em pleno feriado estar na Avenida Paulista, centro
nervoso de São Paulo, poderia ser exemplo de penitência, mas como se remir de alguma culpa diante da capital fantasma, merecidamente assim descrita, por seu minguado trânsito e pelas poucas pessoas nas ruas, neste dia?

Sem compromisso de trabalho, o turismo torna-se uma das melhores opções na riquíssima cidade cultural em feriados prolongados, porque dela esvaziam-se moradores e trabalhadores.

Ainda assim, arriscar o passeio por meio do metro parece, ao primeiro golpe de vista, loucura, entretanto não se proposital a intenção de andar a pé ou de transporte público na cidade paradoxo, onde, diariamente, milhões de brasileiros sofrem de estresse até chegarem ao seu destino.

Dessa forma, ir de metro da Consolação à Estação da Luz, visitar o Museu da Língua Portuguesa, na cidade com a maior população de falantes do português no mundo, e apreciar a Estação da
Luz - patrimônio histórico do Século XIX - pode ser para qualquer pessoa uma ótima escolha, com no máximo dez minutos despendidos de um ponto ao outro entre as plataformas subterrâneas.

Entrecortar o interior da Estação da Luz com olhos entusiastas pelos anos 70 também pode a quem por ali passe ressalvar um tempo sem globalização e modernismo, em que trens chegavam e partiam numa frequência muito maior que hoje, para cidades que na atualidade já não recebem
esse comboio de carros sobre trilhos, porque a malha ferroviária deixou de ser utilizada quando deu lugar às rodovias e aos aeroportos. Na verdade, o tráfego de passageiros de longa distância terminou em 1997 e a estação passou a ser apenas para os trens metropolitanos da CPTM.

O adulto de hoje, criança há quarenta anos, poderá ver-se de mãos dadas com seus pais, a observar deles a outra mão vazia a segurar uma mala marrom pela alça, sem imaginar que um dia viria a ter rodinhas para ser puxada e que seria até mesmo colorida.

Com olhos de outrora, o adulto poderá observar os trilhos da plataforma – reformados no ano de 2004, quando a estação foi restaurada, também na arquitetura - e viajar no tempo por infinitas horas, vendo-se dentro do trem.

A Estação da Luz, patrimônio histórico da cidade de São Paulo, já o é há muito das pessoas que se utilizavam dela.

Por isso, passear no Museu da Língua Portuguesa e, dependendo de onde venha essa pessoa, atravessar toda a estação por dentro, será como ganhar um momento único com o passado a resgatar um pedaço da vida, guardado nas malas da infância.

Siga em frente, diz a placa.

Chegando ao museu, paga-se um valor quase simbólico e torna-se visitante, convidado a seguir para os elevadores de acesso. Eles são também espaços expositivos, que permitem uma visão total da escultura “Árvore de Palavras”, criada por Rafic Farah. Além de, no interior deles, se ouvir uma espécie de mantra, composto por Arnaldo Antunes, que repete as palavras “língua” e “palavra” em vários idiomas.

Seguindo para o segundo andar, descobrem-se painéis que mostram um pouco da história do edifício-sede da Estação da Luz e os trabalhos de restauro; a Linha do Tempo com recursos interativos onde o visitante pode conhecer melhor a história da Língua Portuguesa; o Beco das
Palavras, com jogo etimológico, que permite ao visitante brincar com a criação das palavras, conhecendo suas origens e significados, entre outras curiosidades do andar.

No auditório, no terceiro andar, um filme de dez minutos sobre as origens da Língua Portuguesa falada no Brasil é projetado para a plateia. Na Praça da Língua, espécie de “planetário da língua”
composto por imagens projetadas e áudio; palavras, frases e poemas são oferecidos de forma lúdica. Impossível ficar ali sem se jogar de alma nesse mundo mágico. A curadoria da Praça é de José Miguel Wisnik e Arthur Nestrovski.

O primeiro andar, ainda vazio, promete a partir de 16 de abril uma exposição temporária sobre o escritor baiano Jorge Amado.

O relógio, pontualmente às 18h, informa que o Museu será fechado. Dele pode-se sair um pouco mais culto; da Estação, nostálgico.

Retornar para casa acontece da mesma forma como se remeteu ao destino, como nos filmes de antigamente, em que para voltar a fita, ao final, bastava apertar um botão e observar todo o filme retroceder ao seu início.

Finalizando o passeio, já em horário do jantar, opta-se por restaurante japonês. Afinal é Sexta-Feira da Paixão. Mas comida japonesa não é sacrifício para quem aprecia peixe cru! Assim como, a Estação da Luz não é abstinência só porque se parou de viajar de trem!

A noite da Sexta-Feira da Paixão será de total silêncio; o Sábado de Aleluia, festivo como sempre e, o Domingo de Páscoa, com troca de ovos de chocolate.

Lucelena Maia
São João da Boa Vista/SP
12 de abril de 2012

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