quarta-feira, 24 de junho de 2009


O convite é extensivo aos amigos que quiserem participar desse sarau.
lucelena maia

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Bóias-frias


"Labuta" - José Marcondes


Bóias-frias
lucelena maia

Mãos calejadas repousam na enxada,
Suor de bóia-fria é desolação...
Olhos humildes, perdidos na estrada,
Amanhecidos nas ruas da plantação.

Alimentam-se de solidão, dificuldade,
E da marmita que viu o dia nascer;
Banham seus corpos no sol da tarde,
Laboram searas, sem esmorecer.

Adubam, plantam, colhem poeira,
Comandam a vida ensacando grão;
Da boléia do caminhão, recebem areia,
Que lhes cobre a já cansada visão.

Onde houver terra e trabalho
Haverá música instrumental de peão.
A esse trabalhador humilde e dedicado,
Só o solo poderá garantir-lhe o pão.

( do livro de poemas - Põe-te de pé, poeta!)

PS:
Sobrevivência
Décima Quarta Individual de José Marcondes
de 19 de junho a 19 de julho - 2009
Papyrus Livraria
Rua Getúlio Vargas, 307 - S.J.Boa Vista/SP

domingo, 14 de junho de 2009

Para saber de mim...



Para saber de mim...
lucelena maia

... uma indiscreta criatura,
põe seus olhos nas estrelas,
junte-as para descrevê-las
e saberá de minhas loucuras.

Sou sonhadora borboleta
que conta estrelas distantes
depois as junta, em instantes
para formar a rima predileta

Foi o horizonte, em folia,
no universo das palavras,
disse-me o que fazer nesse dia;

- Põe sua alma na geladeira,
ela é um vulcão em lavas,
fará de você, prisioneira...
(...nada fiz, tornei-me poeta)

São João da Boa Vista/SP
14 de junho 2009

terça-feira, 9 de junho de 2009

Brisa à alma



Brisa a alma
lucelena maia

─ Buenos Aires, voltei!
Silvia sentia-se plena, a rodopiar pela Plaza de Mayo como se resgatasse acontecimentos importantes, ali, vividos.
Faz tanto tempo! Ela pensou, com inquietos olhos buscando por alguém que não era visto.
- O que estou fazendo! Silvia ajeitou-se, despertando da nostalgia, a atravessar a plaza de mayo de forma mais discreta.
Viera a Buenos Aires para documentar a vida turística da bela capital da Argentina. Era preciso não se esquecer disso. Porém, veterano e disponível coração parecia não se importar com esse fato, acalentava pulsar dias vividos unicamente para o romântico aroma portenho do passado.
─ Aquiete-se, coração! – ela esboçou sorriso, espremendo os lábios, com uma das mãos sobre o peito a segurar sua pulsação impulsiva ─ Primeiro, o Cabaña Las Lilas em Puerto Madero, onde degustarei e documentarei sobre o bife de chorizo e seus acompanhamentos, e, como estimulante finalizador para a matéria, falarei das excelentes carnes suculentas, destacando a gastronomia como ponto forte desse país.
Silvia tentava organizar o trabalho para os próximos dias, sem deixar espaço para ilusões ou sonhos descabidos, no entanto, alguns minutos mais e perdia a concentração.
- Eu sei coração, os cafés notables esperam-me. Paciência, antes a obrigação.
Era julho, vestia um sobretudo 7/8 de lã, preto, acompanhado por um scarf em tom carmim. Nos lábios, gloss, para umedecê-los contra o seco vento. Os cabelos castanhos, longos e ondulados moviam-se a cada passo que ela dava em direção ao café Tortoni. Definitivamente, sucumbia aos desejos do coração.
Odiava admitir, mas era movida muito mais pela emoção que pela razão.
De longe podia avistar a fachada do edifício de três andares, em ferro e vidro, com suas varandas em estilo francês. Convencia-se que um bom café e a companhia das lembranças de Borges, que ali, no Tortoni, muitas vezes sentou e rascunhou seus escritos, lhe fariam bem nesse final de tarde gélido.
"...Eu caminho por Buenos Aires e me detenho, talvez já mecanicamente, para olhar o arco de um saguão e uma porta envidraçada; de Borges tenho notícias pelo correio e vejo seu nome numa lista de professores ou num dicionário biográfico...".
Silvia recordava estas palavras por Borges, em Borges e eu. Era incrível como se sentia como ele. A jornalista se resumia ao jornal, revistas e documentários pela televisão, porém a mulher que ela era se fazia pura poesia, romantismo, através de seus olhos cor de céu, observados por Carlos Gardel, a convidá-la para o sub-solo onde concertos de tango e jazz aconteciam.
- Está bem! Eu admito! Carlos Gardel é invenção minha. Mas, coração, eu só queria sentir-me importante. Na verdade, Carlos Gardel já esteve aqui, há menção a ele numa mesa próxima a janela onde estou sentada. Justificava, com sorriso maroto, para si mesma e para seu coração que nesse instante lhe era confidente.
Não havia mais mesa vazia àquela hora, tão pouco barulho que incomodasse, apesar da conversa, muitos se detinham a ler, reclusos a um mundo literário exclusivo. Silvia viajava com seus pensamentos num submarino quente, numa mesa para dois.
Discretamente procurou pelo olhar de Juan, mas era impossível vê-lo, como era impossível reconstituir uma história finalizada. Que pena! Pensou, com certo pouco-caso.
O relógio, na parede que sustentava inúmeros quadros e gravuras, apontava mil motivos para que ela retornasse ao hotel. A manhã seguinte seria de árduo trabalho, acumulados aos que deixara de fazer nesse dia.
Silvia pediu a conta e enquanto aguardava, se prometia, em pensamento, antes de retornar para o Brasil, dançaria um tango com Carlos Gardel que, nessa tarde lhe piscara, num convite irrecusável e confidente.
Quanta criatividade! Ria de si mesma. Pagou a conta e saiu.
Assim era sua vida, ela improvisava o que a realidade lhe dificultava oferecer.
Borges sabia por que afirmara, um dia, como ela dizia agora, copiando-o: "...Chego a meu centro, à minha álgebra, ao meu espelho. Em breve, saberei quem sou...".
A brisa da noite beijava-lhe o rosto sugerindo abraçá-la, como ela assim o desejava ser.
Suspirou, entregue as investidas, como se bebesse os ventos por Juan!

9/junho/2009
S.João da Boa Vista /SP