Ernest Hemingway
(logo nas primeiras linhas deste clássico senti vontade de, mais do que lê-lo, resumir a história do humilde velho que pescava sozinho em seu barco. Espero ter conseguido passar a essência de Santiago nas minhas linhas)
Lucelena Maia
Noventa e
cinco páginas de uma narrativa direta, com frases curtas e diálogos secos.
Ernest
Hemingway anuncia em O velho e o mar a
história de Santiago, um pescador cubano em fim de linha. Foi escrito em 1952 e lhe rendeu o Prêmio
Pulitzer. Em 1954, o Nobel da Literatura.
Dia após
dia, Santiago sai com seu barco e volta de mãos vazias. Um velho humilde, magro
e seco, com as mãos cobertas de cicatrizes. A princípio levara em sua companhia
para pescar um garoto para auxiliá-lo, mas com o passar do tempo e sem que
pescasse peixe algum, porque os pais do garoto acharam que ele se tornara um
azarento, puseram o filho Manolin para
trabalhar em outro barco.
Mas, o
garoto tinha afeição forte pelo velho pescador e o ajudava a carregar os rolos
de linha, o gancho e o arpão quando regressava com a embarcação vazia. Talvez
porque o velho ensinara o garoto a pescar e por isso ele o adorava.
Todo final
de tarde os dois encontravam-se, carinhosos e confiantes um com o outro, em
diálogo de respeito e admiração. Também de ajuda. O garoto arranjava-lhe iscas,
comida e café. O velho examinava o garoto com seus olhos queimados pelo sol. O
garoto gostaria de tornar a sair com o velho, mas Santiago economizava palavras
dizendo-lhe não, que ele agora estava num barco de sorte.
A noite
chegava e precisavam descansar para a próxima manhã, quando o velho iria
acordá-lo, bem cedo, em sua casa.
O garoto
ajudava Santiago a carregar os rolos de linhas, arpão e o gancho para o barco,
em seguida tomavam café, depois cada um deslizava sua embarcação para a água,
mas não antes de o garoto desejar a Santiago sorte. – Boa sorte, meu velho! Boa sorte, ele devolvia.
Ainda na
escuridão o velho seguia e, à medida que remava, pensava no mar com querer bem.
Nesse dia,
o sol levantou-se do mar e o velho Santiago enxergou os outros barcos, lá mais
para a terra. Depois o sol começou a tornar-se mais forte, as águas começaram a
brilhar mais. Agora os barcos estavam muito longe.
Decidiu
aventurar-se mais longe ainda, nas águas da corrente do Golfo.
Entre
observar os movimentos das varas penduradas fora do barco, viu uma
andorinha-do-mar, com suas enormes asas pretas. Pôs-se a remar lenta em direção
ao ponto onde ela estava pairando. Um grande cardume de dourados. Os meus peixes
grandes devem estar ai por perto, falou em voz alta. Adquirira o hábito de
falar em voz alta quando estava sozinho, mas não sabia dizer desde quando.
A linha da
popa deu um esticão e ele largou os remos. Trouxe o peixe para dentro do barco.
Albacora, da família dos atuns, de pelo menos três quilos. Esse peixe lhe
serviria de refeição.
Já não
podia ver o verde da costa. O mar estava muito escuro e a luz formava prismas na água.
No momento
em que examinava as linhas viu uma das varas verdes dobrar-se violentamente.
Começava
então uma extraordinária batalha entre o homem e o animal. Que o melhor e o
mais corajoso vença, pensou o velho marinheiro, tamanha a força do peixe.
O peixe
também é meu amigo – disse ele em voz alta. Nunca vi ou ouvi falar de um peixe
desse tamanho. Mas eu tenho de matá-lo.
“Se o
garoto estivesse aqui, podia molhar os rolos de linha”, pensou. “Se o garoto
estivesse aqui. Sim, se o garoto estivesse aqui”.
O sol
estava nascendo pela terceira vez desde que se fizera ao mar quando o peixe
começou a nadar em círculos. Sentia
sono, sede, cansaço pelo enorme esforço que fazia. Sentira-se também, por duas
vezes, estonteado e fraco.
“Nunca
estive assim tão cansado em toda a minha vida”, pensou o velho.
“Trabalhe
agora você, meu peixe. Eu trabalho depois”.
O peixe ia
no seu terceiro circulo quando o velho o viu aparecer à tona d´água. Quase não
podia acreditar no seu comprimento. “Não é possível que tenha esse tamanho todo”.
Santiago
estava transpirando muito, mas não era só por causa do sol. Em cada uma das
lentas voltas que o peixe dava, o velho ganhava linha e poderia ter a
oportunidade de usar o arpão.
Mas nada
era fácil, mais uma vez, entre muitas, o peixe tornou a retomar o equilíbrio e
afastou-se.
- Peixe! –
gritou-lhe o velho – Peixe, de qualquer modo você tem de morrer. Acha que
precisa matar-me também?
Pôs toda a
sua alma no puxão e na agonia do peixe, que veio para junto do barco. Erguendo
o arpão tão alto quanto lhe era possível, cravou-o para baixo com toda força.
Conseguiu espetar o peixe de lado. O peixe parecia flutuar no ar, por cima do
velho. Em seguida caiu na água.
“Agora
preciso preparar os laços e a corda para prendê-lo ao barco, pensou. Tenho de
preparar tudo, encostá-lo ao barco, prendê-lo bem, fixar o mastro e tomar a
direção para a costa”. As mãos muito machucadas, em carne viva, não o
preocupavam. “Curam-se depressa com o sal da água”
Não
precisava de uma bússola para lhe indicar o sudoeste. Só precisava sentir os
ventos alísios e o enfunar da vela.
A
embarcação navegava bastante bem. Bebeu a metade de água que lhe restava e
comeu os camarões abrigados em um molho das algas amarelas do golfo que o arpão
enganchara. Tentava manter-se lúcido.
Já havia
decorrido uma hora quando apareceu o primeiro tubarão. Viera das profundezas
porque o sangue do peixe se espalhara pelo mar. “Fora bom demais para durar”
pensou o velho. “Não posso impedi-lo de nos atacar, mas talvez possa cravar o
arpão na cabeça do tubarão”. Assim ele fez. O tubarão permaneceu imóvel à tona
d´água e o velho fixava-o com o olhar. Abocanhou uns quinze quilos de carne.
Exclamou Santiago. Mas matei o tubarão que mordeu o meu peixe.
Um homem
pode ser destruído, mas nunca derrotado.
Algumas
outras vezes vieram os tubarões. Ele matou a todos, mas, a cada nova investida
deles perdia as ferramentas que usava para livrar-se daqueles famintos Galanos. Não tinha ele nenhuma outra palavra que melhor
exprimisse os seus sentimentos nesta situação, por isso falava em espanhol. Ficara sem o arpão, a faca que prendera ao
remo, também o remo e muito da carne do peixe.
“Era um
peixe que poderia ter alimentado um homem durante todo o inverno”, pensou o
velho. Gostaria que tudo isso tivesse sido um sonho. “Já devo estar bastante
perto”. “Que pode você fazer agora, se eles atacarem durante a noite? Lute!
Lute até morrer. Mas o que é que um homem pode fazer contra eles no escuro e
sem armas?”
Vieram
todos juntos e o velho só conseguia distinguir as barbatanas na água. Lançava e
tornava a lançar o cajado com desespero e depois sentiu alguma coisa agarrar no
cajado e levá-lo para o mar. Mas agora os tubarões atacavam o peixe todo da
popa à proa. Durante a noite alguns tubarões atacaram a carcaça, mas
afastaram-se ao verificar que já não lhes restava nenhuma carne.
“Eu nunca
tinha sido derrotado e não sabia como era fácil. E o que me venceu? Nada. Fui
longe demais”. Não havia ninguém para ajuda-lo e por isso foi com dificuldade
que arrastou o barco para terra, deixando-o a meio da praia, sem conseguir leva-lo
mais longe. Foi então que conheceu como era profundo o seu cansaço.
Dormia
ainda quando, pela manhã, o garoto espreitou pela porta. O garoto viu que o
velho respirava. Saiu para a rua para buscar café. Durante todo o caminho não
parou de chorar.
Muitos dos
pescadores da aldeia estavam em volta da embarcação do velho. Um deles mediu o
esqueleto com um pedaço de linha.
Manolin
levou a cafeteira para a cabana de Santiago e sentou-se ao lado da cama, até
ele acordar.
-
Venceram-me, Manolin – falou a custo. - Venceram-me de verdade.
- Ele não
o venceu. O peixe, não.
- Não.
Você tem razão. Foi depois.
Quando
saiu para a rua e a caminho da aldeia, o garoto começou a chorar.
Lá em
cima, na cabana, o velho estava dormindo de novo, com o rosto escondido no
monte de jornais que lhe servia de almofada.